A câmara filma, empoleirada em cima dos lavatórios. Aqui lava-se o cabelo a judeus, árabes e cristãos, uns a seguir aos outros.

Bem vindos ao salão da Fifi, uma cabeleireira em Haifa, Israel.

Enquanto a realizadora ensaboa o cabelo das clientes, estas respondem às suas perguntas. No salão da Fifi, entramos num “banho de sabão” íntimo, pois aqui podemos abrir o coração e falar abertamente.

E fica o aviso: violência e política não têm lugar aqui.

Realização: Iris Zaki
Montagem: Tal Cucirel
Música: Souad Zaki
Tradução: Gabriel Vilaça

Entrevista

Iris Zaki | 99.media

Iris Zaki Diretora

“As clientes estavam muito conectadas ao local,
era o centro da sua vida social.
Era como uma paragem de autocarro!”
  • Fale-nos um pouco sobre si, Iris.


Cresci como judia em Haifa, Israel. Não sabia que ia acabar por fazer filmes. Não era a minha intenção, nem era o caminho que planeava fazer.

Estudei Multimédia e Comunicação, trabalhei um pouco na MTV e outros canais de música. Quando tinha 31 anos, saí de Tel Aviv para ir para Londres. Lá, comecei a estudar a realização de documentários.

Para o meu doutoramento em Londres, fiz um filme chamado “My Kosher Shifts” num hotel judeu onde trabalhava como rececionista. O filme é sobre as conversas que eu tive com os hóspedes. Não queria levar uma equipa de filmagens, nem queria estar atrás da câmara. Por isso, coloquei uma câmara num tripé e voltei ao meu posto. Isto tornou-se no meu próprio estilo de entrevista, que mais tarde chamei de “câmara abandonada”. Foi aí que decidi que era isto que queria continuar a fazer.

E isso foi a minha “cena” desde então até agora. Vejo filmes como jornadas para aprender mais sobre mim própria. Eu não vejo um tema interessante e penso “Bem, vou fazer um filme sobre isto e filmar enquanto entrevisto pessoas”. Não. Para mim, há sempre algo que quero explorar, e que me envolva pessoalmente.

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  • O seu segundo filme, “O Salão da Fifi”, tem o mesmo estilo do primeiro: a câmara está fixa, trabalha lá como empregada, faz as pessoas falar…

     

Para o meu doutoramento, eu queria explorar esta técnica de documentário. Portanto, basicamente, a ideia para o meu segundo filme era ver como funcionaria num ambiente diferente, num local diferente.

Queria encontrar um emprego algures, porque acredito que sou uma trabalhadora normal num local de trabalho, com uma função lá, e não estou só a fazer um filme. O meu objetivo é oferecer um serviço e, durante o trabalho, haverá conversas orgânicas, que acontecem aleatoriamente sem haver necessidade de preparar questões.

  • Então, como começou este projeto no salão da Fifi?

     

Decidi fazer o meu segundo filme em Haifa, a minha cidade natal, e queria explorar a comunidade árabe, visto que não tinha nenhuma conexão com eles.

Não queria um hotel com uma receção. Estava à procura de algo diferente, com uma conexão física. Pensei em ser a miúda do champô num salão de cabeleireiros. Pensei, “Isso é uma ideia muito fixe, nunca ninguém o fez, mas… Como raios é que vou fazer isso?”

Fiz um pequeno passeio no bairro Wadi Nisnas e alguém me falou sobre o salão da Fifi. No dia seguinte passei por lá. Eu era muito envergonhada, e estava sempre a pedir desculpa por estar sempre à frente das caras delas, mas elas eram muito simpáticas e abertas à ideia.

Este local era mesmo o que precisava. Era muito acolhedor, muito caseiro, e tinha muito movimento. Muitas das mulheres iam lá aos anos, tinham muita confiança nas cabeleireiras. As clientes estavam muito conectadas ao local, era o centro da sua vida social. Era como uma paragem de autocarro!

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  • Fale-nos do aspeto técnico do filme. Imagino que as clientes estivessem intimidadas por ter uma câmara por cima delas, fixada a olhar para elas…

     

Eu tinha planeado usar um tripé, mas não funcionou. Tinha que fixar a câmara por cima do lavatório todas as manhãs.

Dizia às clientes que era para a universidade, talvez para festivais. Não as tentei seduzir para serem filmadas. Na verdade, era ao contrário! Eu dizia que não era preciso, mas as cabeleireiras diziam a todas “ouçam, esta é uma rapariga simpática, está a fazer um doutoramento, temos que a ajudar”.

E como toda a gente trata as cabeleireiras como família, também me tratavam como família a mim. Tinham confiança total em mim.

“Quando retiramos algumas camadas,
vemos que as pessoas
só querem viver as suas vidas.”
  • Então, depois de ser uma rececionista num hotel, teve de aprender a ensaboar? 


Foi desafiante e estava muito preocupada quando comecei! É muito difícil fazê-lo corretamente: a água está muito fria, está muito quente? Nos ouvidos não. Nos olhos não. Temos que ser firmes para ensaboar em condições, mas não demasiado firmes. E temos sempre uma fila com pessoas à espera, por isso é muito stressante!

Mas no final correu bem, porque estava ocupada com uma tarefa, algo que tinha de fazer. Falar não era o nosso foco primário, por isso, as palavras saíam mais facilmente. Eu estou a fazer uma coisa e elas estão a fazer outra.

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  • O Salão da Fifi parece um oásis, um sítio onde as discussões políticas ficam à porta… 


As clientes não falam de política neste salão, falam de tudo menos política. Falam de dietas, férias, problemas com homens, das crianças, tudo, exceto política. É o elefante na sala, de uma certa maneira, porque é algo que separa as comunidades aqui. Fiquei frustrada porque queria mostrar as tensões, mas acabei por mostrar o subtexto.

Deixei que o tema da política entrasse. Por exemplo, alguém me perguntou “Porque estás a fazer um filme aqui?”. E eu respondi “Sou judia e cresci aqui. Este é um salão árabe e eu nunca conheci nenhum árabe” (porque em Israel não se conhece árabes), e isso já é uma afirmação política.

Mas não disse nada do género “Vamos falar sobre a ocupação!”. As coisas apareceram de maneira natural. O meu carácter também influenciou isso. Sou muito honesta e direta, não me contenho, por isso, também trouxe alguns temas difíceis para a conversa. Mas acho que iria falar desses temas mesmo que não estivesse lá uma câmara.

  • O seu documentário foi exibido em dezenas de festivais de filme internacionais e recebeu vários prémios. Lida com uma situação local, mas contém uma mensagem universal. 


Este pequeno filme podia ter sido filmado em qualquer sítio. É universal porque é sobre uma comunidade que é feita de diferenças, mas cheia de união. É um exemplo de como, dentro de uma realidade perturbadora, quando retiramos algumas camadas, vemos que as pessoas só querem viver as suas vidas.

Pelo mundo inteiro, existe muita gente interessada com o que se está a passar em Israel. De certa forma, as pessoas pensam que sabem o que se passa aqui, mas é como um grande quadro. Só quando nos aproximamos é que vemos os detalhes.

Há uma situação muito problemática em Israel. Há uma ocupação, uma realidade muito triste e trágica para os árabes. Acho que, ao revelar as camadas mais subtis e delicadas da ligação entre as pessoas, podemos ter algum progresso para compreendermos melhor a situação.

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  • Quais são os seus planos de momento? 


O meu novo projeto chama-se “Egypt, a love song”. É sobre a história de amor dos meus avós.

A minha avó era uma famosa cantora judaico-árabe do Egito. Ela casou com um músico muçulmano, com quem teve um filho, o meu pai. É sobre a minha identidade, numa maneira mais direta, sendo eu um quarto muçulmano-árabe.

Acabei por usar a técnica da câmara abandonada, e desta vez sou só eu e o meu pai a falar. Claro, temos uma equipa connosco, mas eles instalaram tudo antes de nos deixarem sozinhos e gravam tudo remotamente. As câmaras estão fixas. Ninguém mexe nos tripés, sem zoom, está tudo fixo. Não trabalham à nossa volta. Isso permite-nos ter privacidade, intimidade, tanta quanta possível em frente a uma câmara. Mas, psicologicamente, faz muita diferença não ver ninguém à nossa volta a olhar para nós.

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  • Uma palavra sobre a 99 e a adaptação do seu filme para várias línguas, especialmente a nossa nova língua, o árabe? 


Adoro a 99! Porque, essencialmente, eu acredito que a língua é uma barreira. E para as pessoas cuja língua não seja o inglês, mesmo que o entendam, ler legendas em inglês afasta-as daquilo que estão a ver. Resumidamente, se estamos a ver algo na nossa própria língua, a nossa mente e o nosso coração são mais recetivos ao conteúdo.


Este é um filme que eu quero que as pessoas de países árabes vejam. Recebo muitas mensagens de pessoas de países árabes, bem como palestinianos, a dizer o quanto aprenderam com o meu filme, e como este é importante.


A língua é algo que une. Como judia, quem me dera ter aprendido e falado árabe em Israel. Para mim, ver o meu filme traduzido em árabe aquece muito o meu coração.

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