« Quando o barco virou… eu pensei: “Fugi da morte e…vou morrer aqui, assim?” »


Ao fugir das ameaças de morte, o Mamadou embarcou no que os migrantes africanos chamam “A aventura”. Deixou a Costa do Marfim, atravessou o Saara e o Mediterrâneo, perdeu amigos no caminho e foi-lhe roubado o valor próprio.


Agora, como refugiado não oficial em França, trabalha em troca de biscates para sobreviver. Joga futebol e dança para esquecer.

Realização: Loïc Phil
Fotografia: Thierry Le Mer, Rémi Delvern
Som: Alexandre Bracq
Montagem: Loïc Phil, Simon Philippe, Arthur Ducoux
Cor: Eudes Quitellier
Música: Loïc Phil (Ilhoë)
Mixagem & Sound design: Timotée Pédron
Música adicional: Meiway – « Miss Lolo » (J.P.S. Production)
Tradução: Djénébou Diabaté, Martina Marangoni

Entrevista

Loïc Phil | 99.media

Loïc Phil Diretor

« É a história de um homem que luta constantemente com as sombras do seu passado para não perder a esperança no futuro. »
  • Como nasceu este filme?
 

Inicialmente, o filme nasceu da ideia de fazer um documentário curto, associando um importante desafio da sociedade a uma encenação elaborada. A migração pareceu-me um tema inevitável.

 

Conheci o Mamadou através da associação Autremonde, cuja sede se encontra no 20° distrito em Paris. A filosofia da associação é estabelecer um vínculo social para garantir a solidariedade e o apoio entre pessoas precárias. Fui naturalmente orientado para Mamadou que tinha participado num espetáculo de dança no ano passado. O contato correu muito bem.

DJAO | 99.media
  • O Mamadou é um refugiado que pode ser expulso a qualquer momento.
    Porque é que aceitou contar a sua história, de cara destapada, correndo o risco de ser descoberto? Neste sentido, foi difícil convencê-lo a filmar com ele?


O Mamadou está consciente dos riscos que corre ao mostrar-se de cara destapada, mas acredito que ele quisesse mesmo contar a sua história, para aqueles que passaram pelo mesmo como para os outros. Percebemos rapidamente que o filme seria fruto de um trabalho em conjunto: ele contaria a sua história e eu seria apenas um mensageiro que a contaria fielmente, através do meu olhar. Esta iniciativa foi fundamental porque ofereceu a Mamadou a possibilidade de se exprimir livremente e, ao mesmo tempo, de investir num projecto que fizesse todo o sentido.


O risco da expulsão foi uma forte obrigação a assumir na realização do documentário. Qualquer controle de identidade teria sido fatal para Mamadou, por isso tivemos de ser espertos. Na rua, a presença de uma câmara atrai facilmente o olhar das pessoas, bem como o da polícia. Deste modo, foi-se informando sobre as formas de evitar os controles, ficando longe de locais específicos e em equipa reduzida. Não foi fácil, mas as filmagens correram bem. Afinal, para nós, foi apenas uma pequena amostra do que um sem-papéis vive no seu dia-a-dia.


Eu e o Mamadou ainda estamos em contacto e ele agora está em França. Uma vez terminada a sequência COVID-confinamento, o filme será apresentado em vários locais!

DJAO | 99.media
  • Pode parecer que este projeto tenha sido “desviado” durante as filmagens. O que se pensava ser um filme de dança acaba por ser a história de um homem que sofre e perde a esperança.


Têm perfeitamente razão! O projeto inicial centrava-se na dança, com ênfase em sequências de zouglou. Era para ser um filme de dança.


No entanto, ao longo dos nossos encontros, a história que o Mamadou me contou revelou-se mais profunda, complexa e poderosa do que eu pensava. O projeto rapidamente evoluiu para algo mais intimista, centrado na psicologia e no percurso do Mamadou. Eu diria que a temática central é o peso do passado de um indivíduo na sua vida presente. Todos vivemos o presente com um olhar distorcido, atormentados pelo nosso passado. São coisas que não podemos prever e com que temos de lidar constantemente.

«Djao» conta a história de um homem que está sempre a lutar com as sombras do seu passado para manter a esperança no futuro.

« Venho de uma geração
que aprendeu a fazer filmes
gravando vídeos de amigos
aos fins-de-semana. »
  • Estás a fazer um filme muito bonito, com uma luz maravilhosa, que é filmado de perto, em movimento. Qual foi a tua abordagem, desde um ponto de vista estilístico?


Obrigado! Sempre pensei que a maneira em que um filme é feito é extremamente importante para apresentar o seu conteúdo. A singularidade do cinema é poder usar a fotografia e a música para contar uma história e transmitir emoções. Estou sinceramente convencido de que é através do vetor emocional que é possível levar os espetadores a sentir o que o filme diz, em vez de o compreender racionalmente. É possível compreender realmente um sujeito, uma situação, uma condição, só através desta camada emocional, deste banho de sensações, enxertado numa camada racial. Portanto, isto implica que se preste muita atenção à forma da película para que ela não seja apenas um suporte fixo, mas sim um vetor privilegiado de transmissão do fundo.


Concretamente, isso implica uma grande preparação em termos de fotografia. O diretor de fotografia Thierry Le Mer e eu discutimos muito o tratamento visual do filme, que devia misturar a possibilidade de produzir imagens qualitativas em situações intimistas. Tivemos que utilizar um equipamento bastante pesado num contexto em que, porém, a câmara deve poder passar por todo o lado, passando o mais despercebida possível. Por isso também tivemos de limitar o tempo de filmagem para conseguir entrar no nosso orçamento com tanto material. Por fim, o aspecto imersivo assentou muito na relação de confiança construída com o Mamadou, que nos permitiu aceder a momentos da sua vida com grande generosidade.
DJAO | 99.media
  • Pareces ser uma pessoa versátil. Fazes vídeos, publicidades, documentários, ficção. Como é que consegues conciliar os diferentes projetos?


Venho de uma geração que aprendeu a fazer filmes gravando vídeos de amigos aos fins-de-semana. Tive a sorte de poder começar a ganhar a vida graças a esta atividade há alguns anos, através da publicidade. É uma ótima escola em termos de técnica e uma boa forma de conhecer pessoas bonitas, mas também quero apresentar projetos meus. As diferentes gramáticas de cada tipo de filme (documentário, ficção, publicidade, etc.) são de meu grande interesse. Adoro a ideia de poder experimentar, porque tais gramáticas baseiam-se em mecanismos diferentes.


Por exemplo, criar uma história a partir do nada (na ficção), ou inserir-se numa história já existente para propor o próprio olhar (no documentário) são exercícios muito diferentes. Ambos os filmes são interessantes e requerem metodologias diferentes. Adoro a espontaneidade do documentário, mas continuo curioso e aberto a todo o tipo de projetos!


Há pouco terminei um breve documentário sobre a dança electro, que deverá sair no início de fevereiro de 2021. Em paralelo, estou a trabalhar no desenvolvimento de muitos projetos diferentes. Prefiro não revelar mais nada por agora, mas vêm coisas boas em 2021!

  • Eterna pergunta: como produziste esse filme?


Trabalho com a produtora Gump há vários anos. Colaboramos tanto em projetos de publicidade como em projetos mais pessoais. Gostamos de trabalhar juntos e a estima é recíproca. Em 2019, acompanharam-me na produção do filme «As It Blooms», gravado no Irão. Para «Djao», o objetivo era investir tempo e dinheiro num projecto de que nos pudéssemos orgulhar, com o objectivo de trabalhar em projectos mais amplos posteriormente. Portanto, dedicámo-nos ao filme sem contar demasiado a quantidade de trabalho, conseguindo ao mesmo tempo unir uma equipa sólida e motivada. Foi assim que fizemos este filme.

DJAO | 99.media
  • Algum documentário ou curta metragem que nos queiras recomendar?

Não tem nada a ver com o tema da migração, mas eu gosto muito de «Every Nite is Emo Nite» de Anderson Wright. É sobre a última noite de um fã de música emo em Los Angeles. Vi o filme muitas vezes porque acho que, em poucos minutos, consegue transmitir muita emoção. O realizador consegue aproximar-se muito bem e empatizar com a personagem principal e, finalmente, comover-nos com o que lhe está a acontecer.
  • Uma palavra sobre 99 e a adaptação multilingue do teu filme?


Estou muito feliz por ver «Djao» publicado em várias línguas em 99. Muito feliz também por ver a história do Mamadou conviver com as de outras pessoas, migrantes ou não, e contadas através dos olhares de diferentes realizadores.

É fantástico ver que um documentário de curta-metragem possa ter um lugar na Internet. É um formato que permite coisas que a longa-metragem não permite: sujeitos mais compactos, assunção de riscos mais franca… Parabéns pelo vosso incrível trabalho!

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